Com um novo disco lançado, o cantor e compositor Milton Nascimento fala de sua paixão pela sonoridade do idioma e relembra momentos da carreira | |
Amilton Pinheiro
A maioria das canções de Milton Nascimento nos remete à natureza e à celebração da vida, em especial das amizades, como as que ele fez com o pessoal que participou do nascimento do Clube da Esquina, como Márcio Borges, Lô Borges, Fernando Brant, Ronaldo Bastos, entre outros. Em 2012 o Clube da Esquina completa 40 anos e, para Milton, essa "junção" de amigos (ele não considera o Clube um movimento por não ter sido planejado) foi importante para o início de todos eles, marcando as suas carreiras. Milton Nascimento não é dado a elaborações na hora de escrever suas letras, e tampouco gosta de falar sobre o assunto. Acha bacana quando o Caetano Veloso e o Chico Buarque comentam sobre a maneira como escrevem suas composições. Para ele, isso não é algo pensado de forma racional, ele escreve o que seu coração diz. A seguir, o eterno "Coração de Estudante" da música popular brasileira fala à Língua sobre sua música. Você poderia falar um pouco do CD e da turnê ".E a gente sonhando"? É um disco que remete a minha Minas Gerais. Fiz esse disco com vários parceiros, como Fernando Brac, Márcio Borges, Flávio Henrique, Pedrinho do Cavaco. Regravei algumas outras canções, como Resposta ao Tempo, de Cristovão Bastos e Aldir Blanc. A música título do CD, eu compus nos anos 1970, mas não tinha gravado ainda. Qual o peso da palavra na sua formação? A palavra era como uma oração lá em casa, algo sagrado mesmo. A palavra teve uma presença muito forte dentro do meu lar. Além de ter tido outras profissões, meu pai também foi professor em Três Pontas (MG), e por causa disso eu cresci num ambiente cheio de livros. Eu fui apresentado muito cedo ao mundo das letras, e minha casa respirava cultura. Pois além da paixão de meu pai pelo conhecimento, minha mãe completava isso com seu amor pela música. E essas duas coisas foram fundamentais na minha formação. Você nunca gostou do nome Milton Nascimento. Por que o escolheu para sua carreira, já que podia ter sido outro? De fato, durante muito tempo eu não gostava do meu nome, desde criancinha. Depois de um tempo, já como artista, vi que o nome Milton Nascimento ficou legal. Larguei então dessa bobagem. Não pensei em adotar um nome artístico - eu só não queria mais ficar pensando sobre isso. Desisti de arrumar outro nome e ficou esse, que não mais me incomoda hoje [risos]. Quais os cuidados que você toma com relação ao uso da língua ao compor? Na verdade, eu sempre faço música seguindo exatamente aquilo que meu coração quer dizer no momento. Portanto, eu não costumo ter um pensamento racional na hora de compor. Quando vejo o Caetano Veloso e o Chico Buarque explicando como trabalham com a língua, acho sensacional, mas eu não penso de forma racional sobre isso. Sigo, claro, regras cultas do português, mas a letra vai jorrando sem muitas elaborações. Escrevo o que vejo e o que meu coração processa na mente. O que mais atrai você no uso da língua portuguesa? É minha língua, sou brasileiro, e isso basta. Como eu falei anteriormente, não fico pensando de forma racional no uso da língua. Acho que a língua portuguesa tem uma sonoridade peculiar que me atrai e seduz, como a sereia que ao cantar leva os marinheiros à perdição. É assim que a língua portuguesa me atrai, como algo que seduz e leva à perdição, no bom sentido [risos]. É possível dizer que há musicalidade no idioma? Claro que sim, a língua portuguesa é uma das mais musicais que existem. Ela tem uma sonoridade que lhe é muito peculiar. Fiz várias parcerias com artistas estrangeiros e eles sempre me falaram da beleza que é a sonoridade da língua portuguesa. O que primeiro atrai esses músicos estrangeiros é a sonoridade, já que eles não entendem o idioma. Você nunca aderiu a nenhuma legenda partidária, a um partido, mas a alguns políticos, como por exemplo Tancredo Neves... O Tancredo foi uma coisa muito forte na minha vida. Ele era muito ligado aos músicos, principalmente aos músicos mineiros. Teve uma vez em que ele estava na casa dele e chegaram alguns jornalistas para entrevistá-lo. Ele pediu que aguardassem, pois estava esperando uns músicos. Para ele, eram mais importantes os músicos do que a entrevista que ia dar. Então, para nós [músicos], ele era uma pessoa muito querida, muito importante [risos]. Você foi também muito ligado ao ex-presidente Juscelino Kubitschek? Fui. O Juscelino era ligado à dança, à música, à literatura. Eu o conheci em Diamantina [Minas Gerais]. Nós fomos, eu, Márcio Borges, Lô Borges e Fernando Brant para Diamantina fazer umas serenatas e uma reportagem para uma revista [O Cruzeiro]. Numa dessas serenatas que começou à noite e varou pela madrugada afora indo até o outro dia, acho que eram umas dez e meia da manhã, quando se aproximou um carro todo preto, um carrão, eu olhei e disse para o pessoal: "Ih, lá vêm coisas". A gente fingiu que não estava com medo. Desceu um crioulão forte que foi abrir a porta de trás e saiu Juscelino e foi logo dando uma risada meio parecida com a do Papai Noel. Ele ria igual a Papai Noel, era muito engraçada a risada dele. Aconteceu que ele sentou com a gente e um fotógrafo que estava ali próximo tirou uns retratos de todos nós. Ele assim que chegou falou: "Vocês tocam uma música para mim?". Nós perguntamos: "Claro, pode ser qualquer uma?". Ele falou uma coisa que ninguém acreditou depois que falamos, nem a filha dele. Ele disse: "Podem tocar qualquer coisa, mas não toquem Peixe Vivo, que eu odeio essa música" [risos]. Mas o lance do Juscelino falar assim da música Peixe Vivo me lembra uma coisa que aconteceu comigo, mas eu freei a tempo. Perguntaram numa ocasião qual era a comida de Minas que eu gostava mais, aí eu disse: "pão de queijo". Tinha outras comidas que gostava mais, mas saiu aquela, tudo bem. Tudo bem nada, porque em todo lugar que eu ia tinha pão de queijo. Sempre que aparecia o pão de queijo eu falava: "Lá vem o pão de queijo novamente". Eu nunca mais, em entrevista nenhuma, falei mais no pão de queijo, quando alguém perguntava que comida mineira gostava. O disco "Clube da Esquina", de 1972, foi um marco na sua carreira? Esse disco foi um marco para todos nós [Milton Nascimento, Lô Borges, Márcio Borges, Fernando Brant e Ronaldo Bastos]. Fiz o convite primeiro para o Lô, depois chamei os outros músicos. O Lô é até hoje um dos meus melhores amigos. Nós compomos ainda. Agora ele fez uma homenagem para mim que quase acabou comigo. Eu disse para ele: "Você quer me matar, pô". Ele é o maior barato. O peso da música americana no início de sua carreira foi grande, a ponto de um dos conjuntos que você montou ter se chamado "W`s Boys"... Naquela época dos W's Boys, quando a gente costumava tocar em muitos bailes em Alfenas e toda região do sul de Minas, a gente não ouvia somente música norte-americana. Fomos muito influenciados também pela música que era feita em Cuba, Itália, França, México, e acho que tudo isso foi fundamental em nosso processo de fazer música. Mas nessa época a música inglesa e americana, em especial, tinha uma influência grande na nossa cultura. Você já teve músicas censuradas no disco "Milagre dos Peixes" (1973). Na época, era tido como artista brando com o regime. Como fazia para driblar a censura? Muita gente tem a visão de que minha postura era branda durante a ditadura. Mas isso é uma tremenda desinformação. Veja só uma coisa, quase todo mundo que era ameaçado entre 1964 e 1979 pelo CCC [Comando de Caça aos Comunistas] e pelos agentes do Dops tinha como primeira opção sair imediatamente do país. Agora, imagine aqueles que, como eu, recebiam ameaças o tempo todo e que, mesmo assim, decidiram ficar? Pense no que eu passei nos anos em que Castelo Branco, Costa e Silva, Médici e Geisel estiveram no poder. Muito se fala dos exilados, até com certo tratamento heroico, mas, me diga, e os que ficaram aqui e enfrentaram o desespero frente a frente? Disso ninguém fala! Eu nunca vejo a imprensa, que exalta tanto os exilados, falando dos resistentes. Pouca gente faz ideia do que era ser um artista durante a ditadura. Eu mesmo fui preso diversas vezes, e nunca vi ninguém falar disso. Perdi a conta de quantos amigos foram assassinados, e outros tantos até hoje continuam desaparecidos. Só quem ficou aqui sabe do que estou falando. Como identificar uma letra de música malfeita? Não costumo ficar analisando e identificando erros no trabalho dos outros. Quando decido gravar uma música composta por outro músico, não penso se ela é mal escrita ou não. Vejo se a beleza daquelas palavras toca meu coração, e se tocar, gravo. De suas músicas, qual fala mais profundamente da sua alma? Tudo que eu faço de certa forma tem a ver comigo, e eu só faço aquilo em que acredito e que me toca profundamente. Nesse meu novo disco ".E a gente sonhando", regravei uma música que a Nana Caymmi gravou de forma definitiva, Resposta ao tempo, de Cristovão Bastos e Aldir Blanc. Essa música fala muito sobre mim, mas não foi escrita por mim, entende? As músicas que fiz, cada uma a sua maneira, falam sobre os meus sentimentos, meus medos, solidões, tristezas, alegrias, ou seja, falam sobre Bituca. |
terça-feira, 6 de dezembro de 2011
O encanto de Milton
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário